Qual pode ser a similaridade na condução do investimento social entre a Cia Hering, a Renault e a Nexxera? As diferenças relacionadas aos setores, as atividades, a localização e ao porte, não impedem semelhanças na forma como seus Institutos e Fundação estão alinhando o INVESTIMENTO SOCIAL aos NEGÓCIOS das empresas mantenedoras. Esta é uma das abordagens mais contemporâneas que existe no campo do investimento social privado. Ao longo da história nem sempre foi assim.

Cunhado pelo GIFE há cerca de vinte anos, o conceito de investimento social privado corresponde ao “repasse voluntário de recursos privados de forma planejada, monitorada e sistemática a projetos sociais, culturais e ambientais de interesse público”.

A agenda do alinhamento entre CORE BUSINESS e o INVESTIMENTO SOCIAL desestabiliza convenções concebidas desde a segunda metade dos anos 90 – caracterizado, de modo geral, pelo distanciamento em relação ao negócio. Para alguns, a expectativa de que a ação social viabilize algum benefício privado subverte a orientação pública do investimento. Já para outros, revela um ESPAÇO COMUM antes pouco ou ainda não explorado entre o investimento social e o negócio – processo para o qual os institutos, fundações e áreas de responsabilidade social foram chamados a contribuir, podendo amplificar o seu alcance, com compromissos e responsabilidades públicas ainda maiores.

A capacidade de renovar-se a cada momento é evidenciado neste movimento que vem ganhando força no âmbito do investimento social privado. O Relatório BISC Comunitas 2016 realizado com 299 empresas e 26 Institutos e Fundações nacionais, demonstra a consolidação do processo de ALINHAMENTO dos investimentos sociais aos negócios, tendência observada desde 2009.  Os dados indicam que 81% das empresas e 77% dos institutos declararam que sua agenda de atuação está direcionada para esse objetivo. Sendo que 60% dos RECURSOS já são destinados aos projetos articulados aos negócios. Apesar da conjuntura econômica desfavorável que enfrentamos no Brasil, os investimentos sociais corporativos realizados pelo grupo pesquisado, mantiveram-se nos patamares dos anos anteriores, em R$ 3 BILHÕES.

As experiências que veremos aqui, parece apontar que os negócios e o investimento social privado podem compartilhar compreensões, convergir objetivos, caminhar juntos e partilhar algo comum.

 O que tem impulsionado a proximidade entre ISP e os negócios?

 Esta transição não é casual. Mas fruto das reflexões que geram proximidades entre os conceitos sobre investimento social, responsabilidade social e sustentabilidade empresarial. Neste sentido, a concepção sobre a interdependência entre sociedade, meio ambiente e negócios – um dos alicerces dessa evolução – está mais fortalecida e dilui algumas fronteiras que aparentavam existir.

Nesta modalidade de relacionamento com a comunidade, busca-se promover por meio do investimento social um impacto relevante para a sociedade, ao mesmo tempo, em que é gerado um valor relevante para a empresa. A relação entre BUSINESS e SOCIEDADE, se constitui em um dos fatores fundamentais desta nova estratégia de investimento social privado. Isto significa, que direta ou indiretamente, o investimento social deve refletir o PROPÓSITO EMPRESARIAL ou produzir efeitos sobre o DESEMPENHO DOS NEGÓCIOS.

Na prática, esta visão tem se desenvolvido em várias direções. No entanto, gostaria de realçar o que num primeiro momento pode configurar uma relação inesperada: o investimento social como um propulsor de INOVAÇÃO para as empresas.

Como o investimento social está se tornando um propulsor para a inovação?

 

A estratégia de investimento social da Fundação Hermann Hering tem o propósito de promover a educação empreendedora no campo da moda. O primeiro eixo, Empreendedorismo, guarda relação com modelo de produção, e desenvolve programas de qualificação às comunidades que vivem no entorno das operações industriais. O segundo, Conexão Varejo, alinhado com aos canais de distribuição, visa preparar os jovens para atuarem no segmento do varejo da moda.

O terceiro foco, Cultura Criativa, compartilha a visão com a gestão de marcas, que visa fomentar a INOVAÇÃO no campo da moda e cultura com metodologias de upcycling e design. O projeto Trama Afetiva, reuni três importantes designers – Alexandre Herchcovitch, Marcelo Rosenbaum e Patrícia Centurion – com estudantes e profissionais interessados em desenvolver um processo criativo para elaborar produtos a partir de resíduos têxteis da Cia. Hering. Um modelo de produção e consumo para gerar valor e responsabilidade socioambiental.

 

 

O Instituto Renault desenvolve três frentes de atuação por meio da sua estratégia de investimento social. A primeira, Segurança no Trânsito, visa um processo de conscientização educacional de respeito à vida. A segunda, Meio Ambiente e Mobilidade Sustentável, voltados para a redução do impacto das atividades e dos produtos sobre o meio ambiente considerando todo o ciclo de vida. Até aqui, é possível observar as conexões inerentes na relação entre a operação da empresa, a sua cadeia de produção e os focos do seu investimento social.

A valorização da diversidade e a igualdade de oportunidades por meio da educação e da ação social transformadora, é o objetivo do foco Capital Humano. É neste âmbito que acontece o projeto Renault Experience 2.0

A sua finalidade é estimular o empreendedorismo e a INOVAÇÃO entre universitários por meio do modelo de startups, que possam gerar impactos concretos no futuro do automóvel e da mobilidade urbana. Na sua quinta edição, foi reformulado para que os participantes desenvolvam projetos prontos a ser adotados pelo mercado.  Uma iniciativa da Renault em conjunto com a Hotmilk e os parceiros Banco Renault, Michelin, Sebrae, Senai, Agência Help e da Renault-Nissan Consulting.

 

 

Em 2016, o Instituto Nexxera redirecionou a sua plataforma de projetos de investimento social. Alinhados a novas tendências, demandas sociais e conectados aos negócios do Grupo. Uma das novidades, é o Programa de Apoio ao Empreendedorismo Social com Base Tecnológica.

Seu propósito é promover a inclusão social por meio da educação empreendedora voltada à INOVAÇÃO.  O programa oferece aos estudantes e empreendedores módulos de capacitação para desenvolver o potencial criativo que gerem soluções viáveis e aplicáveis que contribuam para o desenvolvimento sustentável. Dessa maneira, também quer contribuir para gerar oportunidades de trabalho para o novo ambiente produtivo da era digital. Neste caso, a inovação de base tecnológica, core business da empresa mantenedora, converge em objetivos com este foco do investimento social do Instituto.

O que há de similar no investimento social da Fundação Hermann Hering, Instituto Renault e Instituto Nexxera?

Cada uma das organizações possui uma história distinta e particularidades no seu investimento social. No entanto, gostaria de sublinhar duas semelhanças que são significativas para a reflexão.

A primeira, é o investimento em EDUCAÇÃO. Área principal de atuação de 85% dos Institutos e Fundações respondentes do Censo Gife 2014   No entanto, acentuo aqui o EMPREENDEDORISMO INOVADOR como uma nova categoria de investimento em educação. Que em função de sua natureza, adotam para o seu desenvolvimento, metodologias de aprendizagem que se aproximam de movimentos que fortalecem um ecossistema favorável à inovação, as startups, aos investidores, as aceleradoras, as incubadoras, aos parques tecnológicos e as iniciativas que engajam estudantes e universidades. Ações identificadas pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior (MDICE)  como estratégias que estimulam o ambiente sócio econômico e a maior inclusão social.

O segundo diferencial que aproxima estes três casos, é o posicionamento por meio de um dos seus focos de atuação, como INTELIGÊNCIA SOCIAL DO NEGÓCIO. Nesta abordagem, descrita pelo GIFE  o investimento social contribui com recursos e expertise na identificação e desenvolvimento de INOVAÇÕES em produtos, serviços e novos modelos de negócios orientados à solução de desafios socioambientais. Nessa visão, institutos, fundações e departamentos internos fomentam a solução de problemas sociais e ambientais como um ponto de partida para a inovação. De maneira, que sejam gerados resultados simultâneos de caráter social e empresarial.

Este é um novo campo de ação possível de ser ocupado por Institutos, Fundações e áreas de responsabilidade social. Pode ser viabilizado, dependendo da visão, do momento e do objetivo estratégico de cada organização. Isto não significa que é homogêneo e exclui outras práticas de investimento social. Mas sobretudo, indica um compartilhamento de compreensões sobre agendas que podem ser implementadas em conjunto, por áreas de inovação de empresas e seus braços sociais. Atenua-se nesta modalidade uma dicotomia histórica entre business e contribuição social.

Quais são os conceitos que fundamentam a proximidade entre investimento social e core business?

A abordagem de VALOR COMPARTILHADO desenvolvidas por Porter e Kramer desde 2006, traz três ideias principais para o campo do investimento social:

  1. As necessidades sociais definem mercados;
  2. O sucesso do negócio pressupõe comunidades também “bem-sucedidas”, o que ressalta a inserção social do negócio;
  3. O investimento social se justifica quando produz impactos positivos para a sociedade e para os negócios e, como consequência, a ação social deve ser seletiva.

Nesse quadro conceitual, a atuação social considera suas interfaces (e impactos) com o core business da empresa. A interdependência entre progresso social e o sucesso da empresa está no centro deste pensamento. Porque compreende que a empresa e o seu investimento social podem utilizar o seu potencial para enfrentar os grandes desafios da sociedade. E por outro lado, que o desenvolvimento das comunidades está intimamente ligado a competitividade das empresas.

Quais são os novos aprendizados para Institutos, Fundações e Empresas?

O caminho de associar o investimento social ao business oportuniza novas formas de relacionamento de institutos e fundações com as suas empresas mantenedoras. De relacionamentos pautados em certa medida, pela autonomia e independência, para o estreitamento dos ESPAÇOS DE INFLUÊNCIA RECÍPROCA. Isso se caracteriza por processos compartilhados de planejamento, nos quais desde o início institutos, fundações, áreas de responsabilidade social e de negócio têm a oportunidade de trocar experiências, aprofundar conhecimento e expertises sobre suas distintas realidades, de modo a construir possibilidades de interação conjunta.

Além disso, outro aprendizado a considerar neste contexto é a absorção crescente pelo investimento social de referências sobre padrões usuais da administração empresarial. Como a assimilação de repertórios corporativos, do ponto de vista das estratégias e ferramentas de gestão. Entre eles, o aprimoramento dos MÉTODOS DE AVALIAÇÃO, é um dos elementos chave neste processo.

Projetos sociais e políticas públicas são implementadas. Mas como confirmar se eles estão transformando realidades? Como medir a eficiência desses programas e projetos? Como assegurar que os recursos estão sendo bem aplicados? Como MENSURAR o alcance dos objetivos sociais relacionados ao desempenho para o negócio?

Identificar e monitorar indicadores de impacto social e para os resultados empresariais, fortalece a coerência do valor compartilhado. Este processo contribui para a melhoria da gestão, consolida conhecimento, auxilia na viabilidade e na consistência da atuação mútua.

Por outro lado, a reflexão sobre o estigma de produzir impactos negativos inerentes ao seu setor de atividade e pensar em novas formas de produção, são aprendizados enriquecedores para empresas abertas a esta aproximação. O investimento social pode ajudar a transformar a indústria/negócio na qual o seu mantenedor atua, estimulando esta discussão. Além disso, os recursos do investimento social privado podem ser direcionados para apoiar iniciativas inovadoras de empreendedores que estão indo nessa direção. Há vários negócios nascendo com esse propósito, mas que precisam de apoio para se tornarem escaláveis.

Nos últimos anos, tem havido um crescimento nas oportunidades de investimentos que buscam, ao mesmo tempo, um retorno financeiro e um impacto social positivo. Além disso, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável estão aí. E podem servir como mais um pauta para inspirar a INOVOÇÃO e agir como um catalisador para que os negócios e o investimento social cooperem e caminhem juntos, para gerar contribuições para as necessidades ambientais e humanas, em novos ritmos e proporções.

 

Simone Faustini é professora, escritora e assessora as empresas pela Nexus Consultoria com a missão de promover relações sustentáveis entre sociedade, meio ambiente e negócios.

 

Escrito por Nexus