A trajetória da Tigre sempre foi pautada pela ética e a responsabilidade socioambiental, mas foi em meados de uma das piores recessões brasileiras, que a empresa avançou na estruturação do seu modelo de gestão da sustentabilidade corporativa. Direção, esta, contrária a de muitas empresas que suspenderam suas práticas na área. Neste artigo, Maria Regina Runze, Coordenadora de Sustentabilidade e Comunicação Interna da Tigre, conta os desafios e aprendizados desta experiência de conciliar sustentabilidade em períodos de crise.

Com uma história de mais de 75 anos, o Grupo Tigre é Multinacional brasileira, com forte presença internacional, líder em soluções para construção civil e cuidado com a água. Com atuação em cerca de 40 países, possui sete mil funcionários, 11 plantas no Brasil e 12 no exterior: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Estados Unidos, Paraguai, Peru e Uruguai. Além de tubos e conexões, fazem parte do portfólio as marcas Claris Tigre (esquadrias de PVC), Tigre Ferramentas para Pintura, Tigre-ADS (tubulações de PEAD para saneamento e drenagem), Fabrimar (metais sanitários) e TSAE – Tigre Soluções para Água e Efluentes.

Estruturar a gestão da sustentabilidade de uma empresa deste porte e com esta pluralidade de negócios, países e operações já é uma tarefa complexa em si, porque implica em responder a questões, como: “Onde concentrar a atenção? Como estabelecer uma relação de resultados entre os negócios e a sustentabilidade? Como elaborar um plano que promova os avanços necessários, mas também valorize e conecte as práticas existentes? Como engajar os profissionais e lideranças para que a sustentabilidade seja incluída nos processos de decisão e nas diferentes áreas de negócios?”

 No entanto, em momentos de crise um outro dilema se sobrepõe aos demais. Como criar valor medido em resultados de curto prazo, se a orientação estratégica da sustentabilidade é, por natureza, de longo prazo?

 Esse foi o desafio assumido pelo Grupo Tigre no final de 2015. Vale lembrar que o contexto econômico no Brasil em 2016 registrou queda de 5,1%, segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a força de trabalho recuou 2,8% e o PIB nacional caiu 3,6%, segundo o IBGE. Neste ambiente, a Tigre retomou a formalização do modelo de gestão da sustentabilidade corporativa. Maria Regina Runze, Coordenadora de Sustentabilidade e Comunicação Interna, conta os desafios e aprendizados desta experiência de conciliar sustentabilidade em períodos de crise.

Foto: Maria Regina Runze – Coordenadora de Sustentabilidade e Comunicação Interna da Tigre

Segundo Maria Regina, a Tigre sempre teve um alinhamento grande com a responsabilidade socioambiental, mas a gestão de sustentabilidade até 2015 ainda não estava estruturada. Não havia uma área e profissionais com dedicação em sustentabilidade e, muitas vezes, a responsabilidade pelo tema era redirecionada, o que dificultava a continuidade do trabalho de estruturação da gestão, porque competia com outras agendas do líder naquele momento.

MOTIVADORES PARA A GESTÃO DA SUSTENTABILIDADE

No seu ponto de vista, dois impulsionadores foram responsáveis para dar início a sistematização da gestão da sustentabilidade na Tigre. Primeiro, os valores da liderança, alinhados a ética e a práticas responsáveis de governança. Segundo, por meio da revisão do planejamento estratégico que ocorreu em 2014. Foram realizadas consultas com partes interessadas, estudos de cenários e tendências que resultaram no desdobramento de cinco pilares estratégicos para a organização com vistas à 2020 (recentemente atualizados para 2022). A sustentabilidade foi um dos fatores considerados relevante para os negócios, organizada na “Batalha Instinto Inovador e Sustentável”[1].

Esta estratégia foi estruturada contemplando a implementação de um modelo de gestão corporativo e práticas que reforçam o compromisso com a sustentabilidade em três eixos:

  1. Assegurar a conformidade legal e ética das decisões e atividades.
  2. Evoluir continuamente as práticas socioambientais influenciando as partes interessadas para uma cultura de sustentabilidade.
  3. Oferecer soluções inovadoras para o desenvolvimento sustentável da construção.

DESAFIO: CONCILIAR METAS DE CURTO E DE LONGO PRAZO

Os anos de crise foram muito difíceis, com metas de redução de custo e resultados de curto prazo, explica Maria Regina. Por isso, iniciativas com impacto no custo de transformação e mitigação de riscos ganharam força, como a redução do consumo de água, energia e aumento dos investimentos em saúde e segurança.

A implementação de um modelo de gestão corporativo não dá resultados em curto prazo. Por isso, é preciso ter paciência e resiliência para avançar aos poucos, respeitando as prioridades da organização e a sustentabilidade financeira do negócio. Dessa maneira, todos os projetos relacionados a redução de custos e a riscos foram considerados importantes. Além de oportunidades de ganhos de receita, como a aquisição da Tigre Água e Efluentes (TAE), que apresenta um importante potencial de crescimento para o Grupo.

Por outro lado, ter uma gestão organizada, com relato e monitoramento de indicadores, contribui para o acesso rápido as informações, quando solicitadas por nossos stakeholders, e a transparência de nossas ações perante aos desafios socioambientais. Os nossos clientes estão cada vez mais exigentes com relação a sustentabilidade e, para Tigre, o foco no cliente é uma diretriz. Por isso, atendê-los com agilidade é nossa prioridade. O que mostra que o mercado é um indutor importante deste tema e faz a gestão da sustentabilidade ganhar força.

FOCO EM INICIATIVAS COM RESULTADOS DE CURTO PRAZO

Maria Regina, destaca as iniciativas que foram priorizadas em função de resultados de curto prazo, importantes nesse período de crise.

 1. Compliance

Durante o período de 2014 a 2016, aprimoramos o nosso Sistema de Compliance e uma das ações que enfatizamos foi a confiabilidade do Canal de Ética, que impulsionou o crescimento de 86% nos acessos, sendo que 66% dos relatos foram considerados procedentes, comprovando a efetividade do processo. Além disso, as atividades de compliance também trouxeram savings para a Companhia em danos evitáveis e/ou recuperáveis, que foram suficientes para manter o Canal de Ética por mais 6 anos.

Indicadores do Canal de Ética da Tigre

2. Saúde e Segurança

Por conta do cuidado com os profissionais, adequação de máquinas e equipamentos e o trabalho realizado nas unidades fabris nacionais, a Tigre ganhou o selo Ouro da revista Proteção Brasil de melhor sistema de segurança. O projeto apresentou resultados consistentes desde o início da sua implantação, em 2013, com queda de mais de 90% nas taxas de frequência e de gravidade dos acidentes de trabalho. Em 2016, também foi registrada uma redução de 48% no número de acidentes com afastamento. A economia de 3 vezes o orçamento de segurança em 3 anos foi gerada pela redução na contribuição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), em função da diminuição no grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho.

 Indicadores da Taxa de Frequência em Acidentes

3. Projeto Uso Sustentável

Desde 2015, a Tigre reforçou as ações de redução do consumo de água e energia elétrica nas operações. Em 2016, esses esforços trouxeram resultados relevantes, como a economia de 19% no consumo de água e de 15% na energia elétrica no Brasil.

Indicadores de Uso Sustentável de Recursos

4. Tigre Soluções para Água e Efluentes

Segundo José Renato Domingues, Diretor Executivo de Pessoas e Sustentabilidade da Tigre, “o Grupo está cada vez mais focado na busca por oportunidades que reforcem a atuação da companhia em condução de água. Assim, decidimos ser protagonistas no reuso de água e no tratamento de efluentes, agindo diretamente para que nossos clientes s

Segundo José Renato Domingues, Diretor Executivo de Pessoas e Sustentabilidade da Tigre, “o Grupo está cada vez mais focado na busca por oportunidades que reforcem a atuação da companhia em condução de água. Assim, decidimos ser protagonistas no reuso de água e no tratamento de efluentes, agindo diretamente para que nossos clientes sejam ainda mais sustentáveis e eficientes no uso da água – um recurso natural cada dia mais escasso e caro.”, A Tigre Água e Efluentes (TAE), adquirida em 2017, oferece serviços relacionados ao tratamento hídrico e reaproveitamento de água, com modelos customizados e modulares para as indústrias, edifícios comerciais, shoppings e hotéis. Vídeo sobre o negócio: https://www.youtube.com/watch?v=fuAv731PNyM

O portfólio de clientes já conta com empresas relevantes como a Ambev, Unilever, Faber Castell, Bateriais Moura. Em 2018, foi a TAE lançou no mercado a Blue Box, uma solução uma solução modular, que elimina perdas e ineficiências do sistema de distribuição de água e tratamento de esgoto em grande escala.  Com a missão de reduzir o impacto e o custo do acesso aos recursos hídricos, o negócio é exemplo de contribuição para um mundo melhor e mais sustentável. Graças aos projetos executados em 2017, a TAE possibilitou o tratamento de 269 milhões de litros de água potável e 37 milhões de litros de água de reuso. Vídeo – Jundiaí Shopping: https://www.youtube.com/watch?v=bniwv11g5mo

AVANÇOS NO MODELO DE GESTÃO

No período de 2015 a 2018, além do esforço sobre as iniciativas de resultados de curto prazo, ocorreram e estão previstos outros avanços no modelo de gestão da sustentabilidade da Tigre, comenta Maria Regina.

  • Para a implementação das iniciativas que se desdobram no Plano de Ação para 2022, montamos uma estrutura de governança que parte do Conselho de Administração e abrange os líderes das principais áreas envolvidas: Supply Chain, Compliance, RH e Operações.
  • Foi criada a Diretoria Executiva de Pessoas e Sustentabilidade, que desdobra as diretrizes definidas no Conselho de Administração para a organização como um todo.
  • Há um profissional exclusivamente dedicado a sustentabilidade e sua atuação divide-se entre dois temas: governança e engajamento. A gestão engloba as áreas de Sustentabilidade e Comunicação Interna.
  • Em 2017, fizemos reporte do nosso desempenho no Relatório de Sustentabilidade (link https://www.tigre.com.br/sustentabilidade)
  • Também em 2017, demos início ao desenvolvimento do Plano de Sustentabilidade para as Unidades Internacionais, com todas as atividades necessárias para isso, entre elas: engajamento de lideranças, materialidade, diagnóstico e definição de proposta de valor.
  • Em 2018, queremos fortalecer a cultura de sustentabilidade, com atividades de comunicação, educação e alinhamento com os objetivos do desenvolvimento sustentável. Percebemos que ainda falta uma mesma compreensão sobre o tema, para que dentro desta perspectiva, as pessoas possam ser mais participativas e colaborativas.
  • Vamos ampliar o engajamento dos funcionários por meio da conexão entre os projetos existentes e os eixos da nossa Diretriz de Sustentabilidade. Vamos criar um selo para reconhecer estas práticas.
  • Buscamos identificar oportunidades para desenvolver negócios de impacto social relacionados a água e construção. Com esse propósito, firmamos, em 2018, uma parceria com a Water.org, co-fundada pelo ator Matt Damon e pelo engenheiro Gary White e que atua no combate à crise global da água, para garantir que os brasileiros tenham uma melhor qualidade de vida, por meio de ligações de água e construção de banheiros. Para 2018, está previsto o desenvolvimento de um projeto piloto inovador para a construção de banheiros em comunidades carentes de Santa Catarina.
  • Com relação à Tigre Águas e Efluentes, o plano estratégico prevê o crescimento de 88% em 2018 e uma meta de crescer 10 vezes até 2022.

APRENDIZADOS PROFISSIONAIS E ORGANIZACIONAIS

Para finalizar, Maria Regina traz as suas reflexões sobre os aprendizados profissionais como gestora de sustentabilidade, bem como, os da organização.

  • Sustentabilidade é um trabalho denso, precisamos saber respeitar as prioridades da organização, não perder de vista os avanços necessários e ter persistência.
  • Em 2015, quando assumi este desafio o meu perfil era muito diferente. Fui estudar, criar conexões, ampliar a minha visão do negócio e aprendi muito. No início contratamos consultoria para nos dar apoio na estruturação da gestão, agora já temos segurança para rodar este processo sozinhos. Conforme avançamos, buscamos apoio externo para novos projetos, como uma forma de ter uma validação para o encaminhamento do trabalho.
  • É importante saber conectar agendas existentes para otimizar esforços e potencializar resultados. E para isso, precisamos estar presentes em reuniões e fazer colocações onde as pessoas percebam a relação entre sustentabilidade e seu dia a dia no negócio.
  • Como Coordenadora de Sustentabilidade e Comunicação Interna, percebo que estes dois temas estão muito próximos. Tanto sob o ponto de vista do fortalecimento da cultura interna, quanto externamente, para se pronunciar e posicionar nossa marca e atuação com transparência.
  • Cada vez mais compreendemos que o nosso negócio não é a transformação do plástico, mas, em sua essência, contribuir com a construção de um mundo melhor, por meio do avanço da construção civil, o acesso à moradia, a água e sua condução, seja dentro ou fora da parede. E é natural que a gente se preocupe também em conservá-la, pelo fato de ser um bem tão escasso.

 COMPARTILHAR UM EXERCÍCIO DE COOPERAÇÃO

A minha atividade profissional, oferece o privilégio de dividir uma janela de tempo com pessoas e profissionais excelentes. Contar as histórias destes clientes, com quem tive a honra de trabalhar, é um exercício de troca e cooperação.

Acredito que esta é uma forma de ajudar ainda mais profissionais e organizações a encontrarem rotas dinâmicas para atingirem seus resultados em sustentabilidade – principalmente em períodos de crise – que são tantos na realidade brasileira. De maneira que seja possível no presente, encontrar inspiração, desenvolver capacidades, ampliar o repertório e criar condições para construir um futuro cada vez melhor.

Simone Faustini é consultora, professora, autora e mentora em sustentabilidade. Atua na Nexus Consultoria, assessorando as empresas à promover relações sustentáveis entre sociedade, meio ambiente e negócios. www.nexusconsuloria.comwww.nexusconsultoria.com

 

[1] Nota: *Definir batalhas tem sua bíblia, o livro Must-Win Battles: How to Win Them, Again and Again (FT Press, 2006), de Peter Killing & Thomas Malnight, professores de estratégia no International Institute for Management Development, o IMD, escola internacional de negócios em Lausanne (Suíça).

 

 

Escrito por Nexus