O que um surto de meningite nos EUA em 2012, tem em comum com a explosão do ônibus espacial Challenger da Nasa 1986? O que o recall de produtos tóxicos tem em comum com uma onda de suicídios em uma fábrica da China? O que um remédio infantil contaminado tem em comum com um incêndio de fábrica de roupas na Índia, levando a morte mais de 1.000 trabalhadores?

 

Existe um fio comum que percorre estas tristes histórias: a fragilidade do gerenciamento de riscos da cadeia de abastecimento. Em cada caso, um ou mais componentes da cadeia de suprimentos não foi adequadamente gerenciado com relação aos riscos, resultando em danos severos.

Uma empresa e sua cadeia de valor podem provocar centenas de impactos econômicos e socioambientais, multiplicados pelos países e setores em que atuam. Estes são alguns exemplos de consequências devastadoras fruto da negligência dos riscos da cadeia de suprimentos.

REMEDIAR O PASSADO OU PROTEGER O FUTURO?

Há uma grande diferença entre avaliar o passado, planejando ações corretivas, e usar mecanismos para entender o presente e o futuro, planejando ações preventivas. Conhecer e gerenciar estes impactos é o que faz com que a empresa minimize os riscos que podem afetá-la. Como também, identificar quais são os principais aspectos socioambientais, os grupos ou regiões prioritários para o seu monitoramento e vigilância.

As 56 mortes por meningite fúngica e a causa de infecção em 793 pacientes nos EUA em 2012-13, foi derivada da fabricação em condições indevidas e não supervisionadas da medicação para injeção espinhal vendida pela New England Compounding Center. No caso da explosão da lançadeira da Nasa, uma pequena peça defeituosa (um anel de vedação de borracha projetado para impedir que os gases vazem) foi a causa raiz de uma cadeia de fatores contribuintes.

O recall maciço de brinquedos dos personagens da Sesame da Mattel, pintados com chumbo tóxico por fornecedores terceirizados na China, eram tão perigosos para os trabalhadores da fábrica no início da cadeia de suprimentos, quanto para as crianças que brincavam com eles no outro extremo. Sérias violações trabalhistas e de direitos humanos parecem ter levado jovens trabalhadores que vivem em condições análogas à escravidão a tirar suas próprias vidas nas fábricas chinesas da FoxConn em 2012.

 

Fábrica FoxConn

O incêndio do edifício Rana em Bangladesh no início de 2013, resultando na morte de mais de 1.100 trabalhadores, é uma das mais dramáticas histórias da falta de gerenciamento de riscos da cadeia de abastecimento. Todos ao longo da cadeia de suprimentos – incluindo as varejistas globais e os trabalhadores, que pereceram na fábrica e protestaram contra as condições inseguras antes do incidente – pareciam saber que algo estava realmente errado com a segurança estrutural do prédio.

Estruturar dados que demonstrem de maneira objetiva quais os elos da cadeia de abastecimento são os mais vulneráveis e quais segmentos de fornecedores apresentam o potencial para adotar práticas irregulares ou adversas, –  é um aspecto significativo da gestão de risco corporativo. Isto porque, geralmente a cadeia de suprimentos é longa, complexa, multi-facetada e imprevisível.

 QUAL VALOR CORPORATIVO PODE SER PRESERVADO?

De acordo com o modelo de negócio, o produto, o processo produtivo e a estrutura de capital, os impactos socioambientais gerados na cadeia de suprimentos podem causar danos e perdas de valores em diferentes níveis às empresas compradoras, entre eles:

  • Exposição negativa da imagem da marca, devido a associação com fornecedores que possuem práticas socioambientais irregulares;
  • Corresponsabilidade financeira sobre custos de autuações trabalhistas, ambientais e outros danos gerados por fornecedores com quem mantém relação de terceirização de serviço ou de produção;
  • Ser forçado a se adaptar-se rapidamente a mudanças e exigências na legislação e políticas públicas, por não antever os movimentos sociais e ambientais relacionados a sua cadeia produtiva;
  • Ocorrer restrições de acesso, retirada de crédito, perda de taxas reduzidas de juros oferecidas por instituições financeiras;
  • Ocorrer cancelamento de contratos por clientes ou boicote de compra por consumidores de produtos da empresa;
  • Ser incapaz de obter no mercado os produtos que necessita dentro do tempo planejado em função do grau de dependência da empresa de compradora de fornecedores em situações irregulares;
  • Ocorrer restrições na obtenção de novas licenças para operar reduzindo-se as oportunidades de crescimento;
  • Ter acesso restrito ao mercado de capitais ou perda do valor das ações, como resultado das preocupações dos investidores socialmente responsáveis.

Atualmente não é mais aceitável argumentar que uma empresa compradora não conheça os impactos da sua cadeia de fornecimento, por mais extensa que possa ser. No mundo interconectado e interdependente de hoje, no mínimo a responsabilidade pela vigilância da cadeia de suprimentos acabará sendo compartilhada. Isto porque – o ato de comprar e pagar por produtos e serviços – legitima e aprova a forma pelo qual foi produzido.

O PAPEL DA GESTÃO SUSTENTÁVEL DE COMPRAS

Como os riscos e impactos variam em diferentes setores e tipos de negócios? Como equilibrar a priorização de custos e os benefícios da gestão de risco? Como ter controle, sabendo ao mesmo tempo, que é impraticável ser um policial ostensivo da toda cadeia de abastecimento? O que pode ser considerado necessário, razoável, viável e desejável?

A gestão sustentável de compras é considerado uma um processo estratégico para o gerenciamento de riscos socioambientais e para evolução da sustentabilidade na cadeia de valor.

Veja também: Gestão Sustentável de Compras, como implantar na minha empresa?

Possui o poder de alavancar mercados para produzir bens e serviços mais sustentáveis e inclusivos, e assim, contribuir para uma melhor eficiência dos recursos e uma economia mais justa. Promove a proteção dos direitos humanos e do trabalho, a mitigação dos impactos ambientais, a redução da corrupção e o apoio para o desenvolvimento local. Por isso, tem se tornado uma exigência nas relações comerciais entre empresas.

Além disso, a implantação da gestão sustentável de compras, contribui para o desafio das organizações modernas de buscar formas de serem competitivas e sustentáveis ao mesmo tempo. Parece que os exemplos deixaram claro que prevenir, é geralmente muito mais barato e mais eficaz que tentar arrumar a “bagunça” depois de feita. Que em alguns casos também podem se tornar em tragédias.

As implementação da gestão sustentável de compras não ocorrem rapidamente de um ponto ao outro, ocorrem em passos gradativos, respeitando o ritmo e a capacidade evolutiva da empresa. Na minha trajetória profissional tive a oportunidade de acompanhar estes movimentos dentro das organizações. No início do processo gestores de suprimentos apreensivos sobre o desdobramento desta iniciativa. Mas também, logo a seguir, vê-los a frente de grupos de fornecedores posicionando de maneira segura, os vetores de sustentabilidade sob o qual a cadeia de suprimentos iria se pautar dali para o futuro.

Simone Faustini é professora, escritora, mentora e atua na Nexus Consultoria, assessorando as empresas a promover relações sustentáveis entre sociedade, meio ambiente e negócios. www.nexusconsuloria.com

 

 

Escrito por Nexus